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Monday, January 11, 2021

Saturday, November 28, 2020

Lua Cheia

 

De vez em quando, na lua cheia, eu encontro meu lugar no mundo; como se meu GPS estivesse em procura e me encontrasse: meus paralelos precisos, coordenadas, latitude e longitude apontando para agora; e eu sinto que não há nada além de mim.

Eu me sinto como uma árvore ou uma montanha sentiria se pudesse sentir, presente em tempo, lugar e propósito. Eu me pergunto se uma árvore ou montanha se sentiria menos, se desejaria mais, se desejaria, como nós, estar em outro lugar, pra fazer o que pode fazer perfeitamente aqui.



Apesar de todas as analogias que temos para voar, é na quietude desses momentos que me encontro totalmente com os pés no chão, paradoxalmente um com a vastidão de nosso universo.

Voar é buscar a si mesmo descontroladamente, fora de si mesmo.

Um monge sentado quieto em meditação e gratidão não precisa de asas para voar mais longe do que um pássaro de qualquer espécie; nada material pode conectar a vastidão da alma a si mesmo.


O invisível não é apenas essencial, como o Pequeno Príncipe nos ensinou, mas também o único portal para nós mesmos, pois não podemos ser encontrados em outro lugar senão em nós mesmos.

De vez em quando, na lua cheia, não refletimos luz; a luz é a fonte interior, e brilha até que mais uma vez nos esquecemos de ignorar nosso lugar e tempo. Sem nossa luz interior, tudo que nos resta é nossa ascensão social.



                                                    






Tuesday, June 2, 2020

| Parte 4 | A Silenciosa Pandemia Mundial - Nós, Os Seres Humanos.

nota: perdoe os erros nesta tradução; não escrevo em português há muitos anos. 

Escrevi esse tributo sem imaginar que perderia uma pessoa muito querida, Renee French, atriz e enfermeira em um hospital em Manhattan. Gostava tanto de ser enfermeira que deixou pra tras uma carreira promissora como atriz. Trabalhou com Spike Lee e Jim Jarmusch's Coffee and Cigarettes e depois de ter tantas ofertas pra outros filmes decidiu se tornar enfermeira. Andávamos de madrugada sozinhos pelas ruas de New York e ela sorria e me dizia sarcasticamente: " Marco, veja como é bom ser famoso. Ninguém nos incomoda." Enquanto bebia seu nauseante café com gelo.



     "Imagine todas os seres humanos, compartilhando o mundo." John Lennon and Yoko Ono





(Um tributo a todas médicas, enfermeiras e funcionárias)
     


| PART 4 |    


| Parte 4 | A Silenciosa Pandemia Mundial - Nós, Os Seres Humanos.



Sozinho, os seres humanos não são ilhas, são vírus. Nós não pertencemos, não temos objetivos comuns, mesmo quando parece que sim. Os seres humanos sabem ficar sozinhos em grupos, distanciando-se de outros considerados menos do que eles: cor errada, roupas erradas, sexo errado, classe social errada, Deus errado. Um vírus mata seu host, mas não planeja fazê-lo, ele serve um código genético belíssimo e interessante, se você dedicar um tempo para estudá-lo. Ele não para até chegar ao topo da colina e, quando a rocha rola até em baixo da colina, um vírus começa novamente de onde parou, sem cansar; como exemplo temos republicanos que usam a pandemia mundial para proibir abortos, contornando, portanto, a decisão da Suprema Corte que garante às mulheres esses direitos; democratas e suas posições absurdas em relação a abortos em gravidez avançadas. Ambos os grupos empurrando suas pedras colina acima, não importa o quê; raciocínios torpe, insensatos e doutrinas incoerentes.

Nossa constituição forjada por preconceitos, paranóia, ganância e o medo da morte; falácias, a pedra angular de nossa discórdia civil.

Uma vez que a comunidade médica tenha o Coronavírus sob controle, iniciaremos uma nova luta contra a pandemia de falsos profetas e políticos; e nossos novos lemas serão VIAJAR & SOCIALIZAR ...

..............................


 EM ALGUM LUGAR ALEM DA PANDEMIA,


os céus são azuis; ou perpetuamente cinza, se você mora em Londres, amarelo-avermelhado em Marrocos e em São Paulo e Pequim, não se consegue ver o céu. Sim, ainda temos coisas que precisamos consertar; mas estamos a caminho. Considerando que não apenas sobrevivemos à pandemia de 1918, mas prosperamos depois disso, era questão de tempo, paciência e diligência para nos adaptarmos aos caprichos da natureza durante a pandemia de 2020.

Aprendemos algumas coisas nos últimos anos; os seres humanos querem explorar e conquistar, mas a natureza nos ensina que nossa única opção é assimilar e adaptar. Hoje em dia, somos um pouco mais humildes e apreciamos uns aos outros. Alguns de nossos hábitos mudaram permanentemente, e não nos incomodamos ao ver alguém usando máscaras em público. As máscaras são fabricadas em cores diferentes para anunciar a todos se você está resfriado, gripado ou com coronavírus e em que estágio do ciclo você está. É incomum ver alguém viajando de metrô ou de avião sem máscara.

Para todos nós, 2020 marcará o tempo em que tudo mudou; parentes, amigos, conhecidos que conhecemos enquanto viajávamos pela Europa e pela Ásia, nos anos anteriores à pandemia, agora desaparecidos para sempre. Amizades perdidas, pessoas que não podemos ver mais e que deixam um vazio tremendo em nossas vidas. 2020 não será o ano em que ficamos dentro de casa, será lembrado como uma mudança em nossa consciência coletiva.

Após a pandemia, ficou muito claro para nós que não podíamos mais confiar em líderes religiosos e políticos. Um movimento começou a tomar forma no início de 2021 e passamos de nos isolarmos em quarentena juntos pela sobrevivência, ao planejamento de um futuro em que, pouco a pouco, o governo começou a perder o controle de nossas vidas. Da mesma forma que a comunidade médica se uniu em todo o mundo para salvar a vida das pessoas, nós nos reunimos e abordamos seriamente as duas principais razões de nossa desconfiança um pelo outro: políticos e falsos profetas, também conhecidos como líderes religiosos. Para ser franco, não precisamos de líderes, precisamos uns dos outros.

Em 2020, os políticos eram fáceis de entender, embora isso não deve ser confundido com falta de poder de aterrorizar a população; conhecer um político significava que você tinha acabado de conhecer uma pessoa tentando determinar como poderia ajudá-la a alcançar seus objetivos. O código genético deles era simples: fazemos parte de um grupo e precisamos de algo; existe um grupo ali que tem e não quer compartilhar conosco; existe outro grupo que não tem e está atrás do que temos. Eleja-me e garanto que você terá o que deseja e, juntos, protegeremos o que é nosso.

Leia isso novamente para ver como essa ideia é estúpida, e ainda assim milhões de pessoas aceitaram isso como uma doutrina. Eu nunca gostei de políticos; toda vez que ouvi um desses tipos falando, o mesmo pensamento passou pela minha cabeça: preciso de uma colher de sopa para ingerir as besteiras que você está vendendo.

A pandemia de 2020 foi um mal necessário, pois finalmente vimos o código genético dos políticos sob uma luz diferente. Quando a comunidade médica faz perguntas geográficas, eles estão tentando determinar que tipo de doenças nos possamos ter sido expostos, com o propósito de salvar nossas vidas. Eles levam a sério o juramento hipocrático. Quando os políticos perguntam a nossa raça, eles estão tentando determinar nossas diferenças, para que possam determinar nossas intolerâncias, para que encontrem um grupo com o qual nos possamos ter um problema, para que eles se apresentem como solução para um problema que nem tínhamos em primeiro lugar; portanto, tudo desenhado para avançar suas agendas.

O ano de 2020 foi o ano em que finalmente entendemos que os políticos invadiram nossas comunidades como vírus invadem nossas células e as mudam por dentro. Portanto, com esse entendimento, reduzimos seus mandatos, exigindo transparência e responsabilidade e os votamos fora dos termos na velocidade da luz, quando eles servem a si mesmos. As reformas que aprovamos nos último cinco anos devido à pandemia de 2020 puseram fim às suas manipulações; agora eles são servidores públicos, seus salários são fixos e, consequentemente, há menos pessoas se apresentando para vida pública. Nós terminamos os termos rapidamente no momento em que eles não atendem ao interesse da comunidade.

Nosso relacionamento com a religião é um pouco mais complicado, porque eles têm algumas partes certas; é somente quando nos vemos como um todo, uma comunidade mundial, que temos a chance de desenvolver uma sociedade saudável e garantir a sobrevivência de nossa espécie. É quando líderes religiosos vendem vida além desta que as coisas começam a ficar confusas. Abusando do nosso medo de morrer; como vírus, eles invadiram nosso subconsciente e nos dividiram em grupos, e exigiram que agíssemos de acordo com suas crenças e dogmas. Nesse ambiente, nossos costumes se chocam, as roupas que vestimos se chocam e os deuses que oramos também sempre têm algo a dizer sobre os outros deuses. Pessoalmente, ainda não encontrei um único Deus inclusivo na história da humanidade; todos os deuses se acham melhores que os outros.

Abandonar a religião e abraçar um Deus amoroso para todos, assim como respeitar e aceitar a fé um do outro, foi a melhor decisão que tomamos como espécie. Mantivemos todos os nossos rituais tradicionais por sua beleza e agora é comum as pessoas participarem das cerimônias religiosas umas das outras em comemoração a Deus e à vida que nos foi dada. Vou a igrejas, sinagogas, templos em comunhão com os outros e, quando fecho os olhos, vejo um filme com minha avó, avô, minha mãe e visito uma garota que amo desde que tinha 9 anos.

Por volta do ano 2025, o mundo se abriu para nós como uma célula. Sem a política e a religião nos dividindo, passamos a viajar por toda parte, conhecendo novas pessoas, comendo sua comida e ouvindo sua música, participando de cerimônias religiosas de outros e orando aos seus deuses; assim como aos nossos. Estima-se que 4,5 bilhões de pessoas estejam fora de seu país de origem todos os dias em um único ano civil. Nosso novo mantra se tornou VIAJAR & SOCIALIZAR ...

O primeiro país que visitei foi o Yemen, uma terra que me fascinou desde que vi a primeira foto de suas montanhas. Shaharah, com suas formas geométricas esculpidas nas montanhas, e sua espetacular passarela do século XVII que une aldeias e atravessam montanhas desafiando a gravidade, mantidas de pé apenas pela graça da matemática. A Ponte dos Suspiros, como é conhecida, ficou diante de mim como um lembrança: que eu estou vivo, que a vida é curta, que eu deveria estar ouvindo uma música. Led Zeppelin's Stairway to Heaven imediatamente me veio à mente, mas antes que eu percebesse Smokey Robinson estava cantando My Girl. Fiquei ali pensando: "Tenho todas as riquezas que um homem pode ter / oh, sim, eu tenho."

Eu visitei Shibam; seus céus de cores neutras que encontram o verde no horizonte e a terra carregada para a frente de nossa mente em seus tons pastel e bege. Edifícios feitos de barro e tom de terra ficando alaranjados por um sol sonolento. Você pode ver suas cores na pintura “Three Reds”, de Brennie Brackett, outro lugar para o qual viajo em meditação.


Sem o conhecimento da pintora, levantei o vaso e troquei o pano branco por um dos trabalhos bordados da minha avó. Ainda a vejo sentada ali, no meio da tarde, na cozinha, bordando silenciosamente. Tao bonito ver a minha a bordando que nem dava vontade de fazer arte. Minha avó era a própria paz.

Shibam, sob a luz do sol, é um local inesquecível. As mulheres de Yemen indo orar e agradecer a uma nova vida, vestidas por sua própria escolha na minha cor favorita,

Preto como flechas que cairam do céu; suas vozes como músicas em voo para sempre guardado no meu coração E mente.

Henry, meu bom companheiro, sempre ao meu lado. Venha, vamos visitar os mosteiros sufis e nos sentar para tomar um café, enquanto seguimos para Meca, Cairo, Istambul, Egito; a trilha do café.

Depois que a religião e a política foram deixadas de lado, tivemos que descobrir uma maneira de chegar a um acordo com nossas diferenças, e conseguimos; simplesmente concordamos que acreditávamos em coisas diferentes. Sim, desconsiderei a complexidade da condição humana, pois era prejudicial para uma solução. Imagine um mundo onde possamos nos libertar das vozes em nossa cabeça, as vozes tentadoras nos dizendo que todos os problemas são derivados de outras pessoas. Se outras pessoas se comportarem da maneira que queremos, tudo ficará bem: “Eu tenho a maneira certa. Estou certo de que seria melhor para todos ”, pensa cada pessoa no mundo inteiro, dando início as atrocities do comunismo e fascismo; poeticamente ilustrado por Jean Paul Sartre in “a rodovia pro inferno é pavimentada com boas intenções.”

Um vírus tem um único programa quando infecta alguém: invade a célula, altera-a, multiplica-se. A menos que seja morto ou mate o host, continuará seu curso de ação sem desvios.

Sei que não somos vírus, mas as vezes nos comportamos como um sem saber; pense em uma pessoa | Parte 3 | apaixonar-se por alguém e se afastar dessa pessoa sem saber o porque por quase 35 anos. Portanto, decidimos nos comprometer com uma única ação que todos seguirão. Cada religião e toda religião está certa, se Deus quer que alguém seja morto, ele sabe como fazê-lo. Nosso acordo é que, pelos cem anos que passamos nesta terra, não nos feriremos. Se Deus decide punir todos nós quando morrermos, que assim seja. Deus nos julgará todos no final. Nos protegemos uns aos outros enquanto estamos aqui.

De todas as pessoas do mundo, se as pessoas religiosas estiverem certas, não haverá perdão para as pessoas como eu, sem fé, os ateus. Estou disposto a arriscar esse destino se todos colocarem suas malditas armas no chão; compartilhar o pão, um pouco de café. Eu bebo chá, se é isso que é necessário a paz.

Outra lembrança de infância, Karla, que voce deve saber de cor ja que nunca perdeu sua fé.

O pão da vida a comunhão
Nos liga as Cristo e aos irmãos.
E nos ensina a...

Falando em pão me lembrei desse refrão, não lembro de mais nada, somente essa frase, mas adoro a melodia e nunca esqueci dessa musica. Talvez se eu soubesse o que nos ensina seria um pouco mais feliz.

Levei muito tempo para escrever a | PART 4 |. Eu li várias vezes, e a única nota que a tecla do meu piano tocava alto e repetidamente era:

a condição humana, a condição humana, a condição humana


Pensei em pedir entendimento a Deus, exceto que não acredito que Ele exista; então eu fui ver uma garota que eu amo quando eu tinha 9 anos. Fiquei lá por um bom tempo. Pensando. Ela me pegou olhando: "Olhos no quadro, Marco Aurélio." ela gesticulou para mim e eu fiz o que ela me disse para fazer. Eu sempre ouvia todas as palavras que ela dizia. Tia Zélia estava enumerando as respostas disponíveis para nós; e quando a tia Zélia escreveu o número 2 no quadro, correspondendo à segunda resposta, Karla Maria chamou minha atenção novamente. A luz que vinha da janela, ricocheteando em seus cabelos, era deslumbrante. O número 2. Luz. Partículas. Viajando. Uma criança de 9 anos. Amor.

Deus, como tudo isso se encaixa?

a condição humana, a condição humana, a condição humana

É ridículo pensar em um acordo simples que nos permita compartilhar este mundo em paz e cooperação,

a condição humana, a condição humana, a condição humana

É ingênuo pensar em um acordo simples que nos permita compartilhar este mundo em paz e cooperação,

a condição humana, a condição humana, a condição humana

Olhei para Karla novamente, sorrindo por alguma coisa, e tudo ficou em câmera lenta, a velocidade quase parada por sua beleza. Pensei em Newton e na época em que ele esqueceu de ouvir sua criança interior e confundiu amor com um éter; até que outro garoto de 9 anos de idade apareceu seguindo um raio de luz, possuindo apenas a imaginação de uma criança e alguns números e letras. E = mc²

Os especialistas examinaram suas roupas, sua posição na sociedade, seu judaísmo, procurando uma maneira de descartar a simplicidade imaginativa de sua idéia. A matemática não é dissuadida pela política, religião ou condição humana; sustenta suas verdades e mantém nosso universo material no lugar, não impressionada com os monumentos egóticos que criamos para nós mesmos.

Pensei no esperanto, a idéia mais bonita e simples de uma linguagem universal e, no entanto, ninguém aceitou. Eu sei exatamente o porquê. Gostamos de nós mesmos do jeito que somos: gostamos de nossa herança, nossa cultura e da maneira como nosso nome soa quando é chamado por alguém que nos ama e nos aceita. Nós gostamos da nossa música, pão e manteiga, café, chá. Gostamos do que gostamos, e a única maneira de tudo isso funcionar é aceitar e compartilhar.

Nosso nome é a primeira nota musical que ouvimos de nossas mães e pais e se torna nossa música. A trilha sonora que codifica nossa programação de vida.

As experiências que temos nos tornam únicos e representam o lugar específico de onde viemos. Você não pensaria em construir uma casa na Califórnia com os mesmos materiais que eles usam em Niterói. Você não pensaria em nunca mais ouvir o idioma italiano ou francês ou nunca mais ver o majestoso script árabe em papel branco; como poderíamos substituir isso pelo esperanto? A lingua portuguesa tem Iracema, Camões, coisas somente nossas. Guimarães Rosa até escreveria em Esperanto mas Nélson Rodrigues em Esperanto seria como Sidney Magal cantando ópera, uma blasfêmia. Ferve até o sangue em pensar nisso.

Nós somos diferentes. Nós gostamos de coisas diferentes. Nós acreditamos em deuses diferentes. Ou Deus algum. Vamos concordar com isso e compartilhar nossas crenças em comunhão.

Enquanto você lê isso, milhões de médicos em todo o mundo estão por aí arriscando suas vidas para salvar nossos entes queridos. Eles não vêem cor, credo ou a própria morte. Eles estão arriscando as únicas vidas que têm porque a tecla do piano deles toca uma simples nota repetidamente ...

o juramento hipocrático o juramento hipocrático

     Três palavras. Uma ideia simples. Um acordo universal. O suficiente para fazer com que médicas, enfermeiras e funcionárias arrisquem sua única existência para nós. No mundo todo. Como fez a minha querida Renee.

                                                    




Coffee and Cigarettes - Renee


click on picture to watch Renee





|Part 3| Carta ao Meu Primeiro Amor: Elos Psicológicos.

nota: perdoe os erros nesta tradução; não escrevo em português há muitos anos. 

Escrevi esse tributo sem imaginar que perderia uma pessoa muito querida, Renee French, atriz e enfermeira em um hospital em Manhattan. Gostava tanto de ser enfermeira que deixou pra tras uma carreira promissora como atriz. Trabalhou com Spike Lee e Jim Jarmusch's Coffee and Cigarettes e depois de ter tantas ofertas pra outros filmes decidiu se tornar enfermeira. Andávamos de madrugada sozinhos pelas ruas de New York e ela sorria e me dizia sarcasticamente: " Marco, veja como é bom ser famoso. Ninguém nos incomoda." Enquanto bebia seu nauseante café com gelo.




                                                        | November 28th, 1969 |



(Um tributo a todas médicas, enfermeiras e funcionárias)


PART 3
Estou sentado no quintal da minha avó, pensando: em você, Karla, minha mãe inexistente, meu avô, em mim mesmo. Tenho em mim todo o conhecimento do meu passado e de tanto futuro, que fico aqui tentando encontrar uma maneira de ajudar essa criança de 9 anos a entender que há muita vida pela frente. Entro na casa e olho para minha avó; ela está fervendo leite; Sinto o amor dentro de mim transbordando, saio na ponta dos pés e vou para a escola para vê-la...

No caminho da porta da frente, vejo meu avô, sentado ouvindo seu rádio. Rádio teatro, sobre uma mulher que é morta e volta do túmulo para levar a alma de alguém; é assustador. Observo meu avô sentado aqui, quieto, e me pergunto o que ele está pensando. Ele é como você, Karla, sempre distante, sempre pensando e comendo chocolate; não meu avô, você, meu avô come pimenta malagueta. Olhe que surpresa, uma outra memória.

Estou de pé agora na cozinha, maravilhado, do lado esquerdo da mesa, meu avô está sentado na cabeceira da mesa, do lado direito, e ele agora tem um prato na frente dele. Ele pega algo na mesa; Não vejo de onde ele as está tirando, mas posso vê-las com clareza; enormes, vermelhas e assustadoras. "Nunca coloque isso na sua boca", diz minha avó. Ele pega o garfo e esmaga toda as pimentas malagueta no prato, enquanto minha avó lhe serve feijão, feijão preto, que ele mistura na pimenta. Ele está comendo e suando. Estou aos pés dele assistindo, "O que você está fazendo aí, vovô?"

Agora estou na sala de estar. Eu acho que sei o que meu avô pensa o tempo todo: "Por que no mundo faço isso comigo mesmo? Porque eu como pimentas malaguetas?"Agora, só me falta saber o que você, Karla, pensa, sentada ali comendo o" chocolate redondo "que você trazia de Niterói.

Quando a morte está por perto, minha mente se atordoa. E salto no tempo.

Eu ando pelo Rio de Janeiro com uma garota que conheci em uma festa. Eu tenho cerca de 19 anos. Estamos conversando desde o momento em que nos conhecemos, e me sinto incrível. Ela gosta de Chico Buarque, ela ama Dante, ela, como eu, já leu Divina Comédia duas vezes, e passamos a noite inteira conversando sobre isso. Ela toca oboé. Eu canto para ela uma música que escrevi. É de madrugada e caminhamos ao longo da orla marítima do Rio de Janeiro.

Um ar frio sopra do oceano, conversamos sobre Quixote agora e rimos de suas insanidades. No começo da noite, contei a ela sobre minha mãe, como ela deu à luz a mim e ao meu irmão, e como todos os adultos em sua vida decidiram a colocar-la em uma instituição mental e foram viver suas vidas. Como as pessoas na pandemia, ela morreu naquele hospital muitos anos depois. Como que pra me torturar, uma vez por ano, eles me levavam ao hospital psiquiátrico para visitá-la, e a cada ano havia menos e menos de minha mãe e menos e menos dentro de mim mesmo. No caminho de volta, eu escutava em silêncio, eles se elogiando por terem tirado tempo das suas agendas lotadas para visitá-la.

Uma vez, quando eu tinha cerca de 20 anos, tive um colapso nervoso no caminho de volta, os vizinhos de meu pai me levaram para ver minha mãe. Eu estava suando, congelando, no meio do verão, e todas as janelas do carro estavam fechadas. Ar condicionado soprando ar frio. Eu não conseguia respirar. Depois que eles se reuniram com meu pai, foi decidido que eu estava tendo uma dificuldade psicológica em aceitar o fato de que estava ficando calvo. ( As mentiras que os adultos dizem pra si mesmo pra evitar a verdade e justificar suas covardias. ) Meu pai me sentou para uma palestra e eu fiquei ouvindo, em silêncio, ciente da futilidade de tentar explicar qualquer coisa a um homem que não me conhecia. Albert Camus estava certo: " A mais importante pergunta filosófica a ser respondida é o suicídio..." Eu tentei me matar alguns meses depois; e quando sobrevivi, me afastei de Deus e de suas promessas de uma vez por todas e decidi viver; e sair de perto dos meus familiares. E já fui tarde. Cheguei a Nova York aos 21 anos de idade.

Tenho uma lembrança de minha mãe, duas na verdade, e tentei filmar uma delas com três atrizes, sem sucesso. O diretor de fotografia não conseguiu acertar as luzes, eu não consegui encontrar a alma da cena e o assistente de direção me incomodando, tentando determinar se era mesmo importante aquela cena para a minha narrativa.

Quando minha mãe foi internada, meu pai saiu por aí procurando um lugar para colocar seus filhos gêmeos. Depois de morarmos com duas pessoas, antes dos seis meses de idade, minha avó colocou o pé no chão e moramos com ela até os 11 anos. Meu pai morava a uma hora e meia de distância de nós, e o víamos uma vez por ano, no Natal. Alguns natais, ele nunca veio, mas enviou uma carta escrita a mão; tinha uma caligrafia linda. Ele era extremamente orgulhoso disso.

Estou de volta ao Rio de Janeiro, olho para a garota de novo. Ela tem cabelos pretos, os mais lindos olhos verdes e não desvia o olhar dos meus quando olho para ela. Eu a beijei horas atrás, então agora só estou interessado em sua mente. Estou ouvindo ela me explicando Camus. Ela não acredita que não li Camus e agora está rindo muito porque confundi Albert Camus com meu poeta português favorito Luís Vaz de Camões. “Não é Camões, idiota. é Camus "e se desfaz de tanto rir.

No momento em que as palavras saem de sua boca, lembro-me da minha avó que me batia sem nunca deixar seu amor de lado. Ela disse isso em um tom carinhoso, cordial, de cumplicidade, empatia e familiaridade. "Essa garota," eu penso admirado, "está fazendo tudo certo." O sol está prestes a nascer e nos sentamos para assistir; isso vai ser espetacular. Nos beijamos novamente e assistimos o nascer do sol. Ficamos sentados por um longo tempo, vendo o sol nascer em uma das vistas mais bonitas do mundo, Ipanema, Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa. Ela me pergunta se eu posso levá-la em casa e eu: "bem, o que você acha que eu disse?" Claro que sim.

Caminhamos até o barco que ela deve tomar para chegar em casa. Sentamos em um lugar que não me lembro bem, esperando o barco. Ela mora em uma ilha. Eu gosto dela, e é óbvio que ela gosta de mim e fazemos a jornada juntos para a cidade dela. Nós mal falamos. Chegamos do outro lado e esperamos que todos saiam primeiro; não temos pressa e quando caminhamos em direção à rampa, eu a puxo pelo braço carinhosamente e digo adeus.

Estou tão surpreso com isso quanto ela. Ela me descreve o caminho de sua casa, e me convida pra visitar um pequeno café onde podemos sentar e conversar um pouco mais; nossa conversa se transforma em um interrogatório onde ela indaga se fez algo errado. Ela está preocupada de ter dito algo que me ofendeu e digo que não e que realmente gostei de conhecê-la, mas tenho que ir.

Não tenho justificativas nem pra mim mesmo e nem razão, mas todo o meu ser quer voltar para o Rio de Janeiro. Eu de cima do barco ainda a vejo se afastando em terra firme, na cidade de Niterói, enquanto eu flutuo em direção ao Rio de Janeiro me sentindo vazio por dentro. Muitos anos depois, durante a Pandemia de 2020, descobri que, aparentemente, sem o meu conhecimento, havia me prometido nunca pisar na cidade de Niterói e não estava disposto a quebrar essa promessa para alguém que acabei de conhecer. Mas por não ter esse conhecimento, eu flutuo incapaz de entender o que aconteceu. Eu gostei dela, passamos uma noite fantástica conversando. Eu me sinto desconectado de mim mesmo, como se um elo dentro de mim estivesse faltando, um elo que viria a explicar por que eu me afastei de uma garota bonita, inteligente e que adora a ler tanto como eu. Eu me sinto perdido. Me sinto vazio. Eu nunca mais vi aquela garota.

Estou de volta agora, ao lado do meu avô, ele está ouvindo o rádio. Ele não me vê, sou um viajante no fuso horário dele. Penso em abraçá-lo pela primeira vez, mas não o faço.

Não posso dizer o porquê.
Os elos que não vinculam,
Os Grand Canyons em nossa mente, que
engolem traumas inteiros; pro fundo da alma.

Chego na escola, mas percebo que não estou na escola; estou atrás da casa do Marcelo sendo levado a uma mesa onde você se senta, Karla, com Christiane e algumas pessoas out of focus. Nós olhamos um para o outro. Você está jogando um jogo de palavras em que se precisa nomear coisas diferentes com letras específicas, eu ouço você dizer…

COR: preto. ANIMAL: pato.

Os links que ligam para cidades erradas para lugares onde estamos vazios por dentro, mas nos recusando a morrer.

Camus está certo: “Existe apenas um problem filosófico realmente sério, e é a questão do suicídio. Decidir se a vida vale ou não a pena é responder à pergunta fundamental da filosofia. Todas as outras perguntas seguem a partir disso ... ”

Sento na nossa sala de aula, Tia Zélia está aqui como sempre, mas desta vez não posso ficar. Você não pode me ver. Há algo horrível chegando e você vai ser médica e deve prestar atenção na aula. "I'll be back."



                                                    


    -----------------End of PART THREE ------------






|Part 2| Carta ao Meu Primeiro Amor: Afonso Arinos

nota: perdoe os erros nesta tradução; não escrevo em português há muitos anos. 

Escrevi esse tributo sem imaginar que perderia uma pessoa muito querida, Renee French, atriz e enfermeira em um hospital em Manhattan. Gostava tanto de ser enfermeira que deixou pra tras uma carreira promissora como atriz. Trabalhou com Spike Lee e Jim Jarmusch's Coffee and Cigarettes e depois de ter tantas ofertas pra outros filmes decidiu se tornar enfermeira. Andávamos de madrugada sozinhos pelas ruas de New York e ela sorria e me dizia sarcasticamente: " Marco, veja como é bom ser famoso. Ninguém nos incomoda." Enquanto bebia seu nauseante café com gelo.


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  A realidade é realmente mais estranha que a ficção, a menina de 9 anos que eu amo cresceu para salvar o mundo.



| Sou fácil de identificar; Eu sou o cineasta que não se importava com a moldura, a câmera ou qualquer outra coisa quando ela estava por perto. Karla é a menina fosforescente.|


(Um tributo a todas médicas, enfermeiras e funcionárias)


PARTE 2

     Eu não pude evitar amar você, acordei um dia e lá estava você. Não sei explicar bem o começo do amor, é diferente de qualquer outra coisa; não é uma criação, é uma força que já existe em algum lugar, livre de quaisquer outras forças, exceto a própria existência da pessoa que você ama; e como isso aprimora todos os seus sentidos: o rio, os pássaros, a música que sua mãe tocou por toda a cidade através dos alto-falantes da igreja católica, as enchentes de março, as jabuticabeiras, a chuva rápida que rompia as nuvens em um dia ensolarado, e me fazia olhar para sua casa me perguntando se você estava brincando na chuva.

     A narrativa de sua vida seria precisa, direta, começando e chegando ao lugar e hora certa onde você conheceria Fernando. Gostaria de saber se ele soube no momento em que te conheceu que a vida dele nunca mais seria a mesma. Eu só sabia que te amava de todo coração até deixar Afonso Arinos aos 11 anos e nunca mais olhar para trás. Eu mantive uma cena de nossa narrativa na minha memória e a assisti várias vezes ao longo dos anos. Você, Karla, minha mãe, meu avô, estão guardados em meu coração em uma cena inesquecível.

     Sempre houve algo distante em você, mesmo quando você me dava toda a atenção; mas o amor é uma força tão poderosa que eu não importava muito com isso.Todas as férias escolares você ia à cidade de Niterói, perto do Rio de Janeiro, e eu ficava sozinho em Afonso Arinos, esperando você voltar: escrevendo poemas, histórias e me metendo em confusão. A manhã seguinte, depois de você  sair para as férias escolares, ficava tudo triste; parecia o dia seguinte ao término de uma gravação de cinema ou o final de um ensaio teatral.Eu sentia um vazio tremendo se abrindo dentro de mim, e eu mantinha ocupado, evitando a frente da minha casa, com a visão perfeita da sua casa vazia no topo da colina.

     Eu acordava e me sentava no quintal da minha avó por horas, pensando; sobre você, minha mãe inexistente, uma mesma pessoa, um vazio que meu coração de 9 anos não aguentava, uma dor que minha alma arquivou sem entender.

     Eventualmente, o pensamento virava espera; e ficava ali esperando a minha avó ficar ocupada, para que eu pudesse caminhar até a margem do rio, subir na canoa do meu vizinho e remar rio acima. Eu tinha 9 anos e não sabia nadar, mas os poetas arriscam suas vidas para se sentirem vivos e negarem a morte; não há coragem nenhuma, é um ato egoísta.

     Eu usava um bambu comprido para remar rio acima, passando por baixo da ponte ferroviária e carregando o rádio transistor do meu avô; desligado. Eu ouvia o som calmo da água batendo na canoa no caminho para cima e, quando eu parava de remar, a canoa diminuía a velocidade quase que imediatamente e começava a girar, girar e girar gentilmente, até ficar em comunhão com a corrente. Só então eu ligava o rádio na antiga Rádio Mundial e deitava minha cabeça no segundo assento, apreciando o fluxo suave da canoa, rio abaixo.



(O rio Preto visto da ponte ferroviária, com o cemitério à distância; onde meus avós descansam)



     Da canoa, rio abaixo, eu só via o cemitério, depois a igreja, a escola primária; sua casa viria como uma revelação cinematográfica, mas, sabendo que você não estava lá, apenas revelava o quão vazio eu me sentia quando você não estava por perto. Tentava não pensar em você, havia muitos problemas em que poderia me meter antes de você voltar. Fechava os olhos e ouvia  música enquanto corria rio abaixo; a corrente era suave e levaria um tempo até eu flutuar passando pela casa da minha avó. Não há palavras para descrever o quanto eu amava a minha avó, mas vê-la em pé na margem do rio sempre foi angustiante.

     Na maioria das vezes ela não podia fazer nada, era idosa, diabética e, se sabia nadar, nunca demonstrou. Eu sabia que levaria uma surra no momento em que chegasse em casa e lembro-me claramente de pensar: "Se você vai apanhar de qualquer maneira, é melhor aproveitar a viagem", então me deitava, fechava os olhos e escutava Jeff Barry's Sugar, Sugar ou qualquer outra coisa que estava tocando. Eu flutuava até o campo de futebol, a cerca de 10 casas da casa da minha avó, até a influência dos filmes de Hollywood intervir e encerrar minha aventura.

     O gênio cômico Jerry Lewis escreveu um livro que toda pessoa interessada em cinema deveria ler, The Total Filmmaker; nele ele descreve o "Dingaling", uma pessoa no set que tem uma necessidade constante de mostrar sua habilidade, velocidade e coragem. "Há um em cada equipe", disse ele. O que Lewis não poderia saber é que Afonso Arinos tinha seu próprio Dingaling, e era fascinante vê-lo.

     Quando chegava ao redor do campo de futebol, as notícias de minhas aventuras haviam atingido metade da população de Afonso Arinos, afinal de contas, tínhamos apenas 50 casas. Dingaling nunca perdeu a oportunidade de impressionar os mais velhos; Eu via ele subindo na árvore perto do campo de futebol, tirando a camisa e pendurando em um galho; depois dava um mergulho que deixaria Johnny Weissmuller,  o Tarzan, verde de inveja. Ele nadava até a mim muito rapidamente, subia a bordo e me alugava todo o caminho até a casa da minha avó. Eu não conseguia ouvir uma única palavra que Dingaling estava dizendo, tudo o que eu conseguia pensar era: "qual é o seu problema, e por que você deixou sua camisa para trás, será uma longa caminhada de volta para aquela árvore.' Muito animal mesmo você, Dingaling.

     Lembro-me de uma vez, por um capricho, ter a idéia de pedir para ele me deixar remar, e ele o fez. Ele ficava naquela canoa como se eu fosse uma presa maldita que ele acabou de pegar; Podia ver alguns vizinhos parados na margem do rio gritando comigo: "Você vai matar sua avó", diziam eles. Dingaling reclamava do quão lento estávamos indo, e me mandava remar mais rápido e eu sugeria  que ele mudasse de estação; e para minha surpresa, sempre funcionou. Eu estava remando, remando e remando rio acima, os vizinhos gritando e ele lá, parado no meio daquela canoa, tentando encontrar uma boa música. Graças a Deus que não tínhamos um iPod, o rádio transistor era a distração perfeita pro Dingaling. Graças ao Dingaling, eu nunca perdi uma surra.

     Usar a palavra surra para descrever o castigo da minha avó é um pouco exagerado, nem sei por que ela se incomodava, com toda a sinceridade. Para começar, ela me pedia para ir às árvores de bambu e pegar um bambu fino que crescia à beira do rio. Eu ficava observando enquanto ela pegava uma faca e começava a afiár o bambu: "O que você está fazendo aí, vovó?" Depois que ela afiava o bambu já fino, ela segurava meu braço e me explicava o que eu fiz de errado, e o porque eu nunca deveria fazer isso de novo, e então ela me batia com  a invenção dela na perna algumas vezes. Que piada que era minha querida avó. Você pode experimentar a mesma sensação; eu te passo a receita: " faça um longo corte de papel na coxa e esfregue sal no corte. Repete a gosto." 

     Aprendi uma lição valiosa naquela primeira vez e, na próxima vez em que ela me pediu para pegar o bambu, fui buscá-lo e nunca mais voltei. Passei o meu dia subindo em árvores, comendo mangas colhidas em uma das seis árvores que tínhamos em nossa orquídea e quando voltei para casa, no meio da tarde, ela havia esquecido completamente que eu precisava de uma surra. Estranhamente, nunca senti nada senão amor vindo daquela senhora. Anos depois do falecimento de minha avó, Karla, eu finalmente percebi que ela se sentia por mim, o mesmo amor que eu sentia por você.


     Meu avô é como você, uma única lembrança que vejo repetidamente em minha mente. Ele se sentava com os cotovelos apoiados em um travesseiro, que tinha sobre a mesa, ao lado do rádio transistorizado. Eu não tenho uma única lembrança dele; andando, de pé, nem mesmo falando, mas lembro-me do orgulho em seus olhos e seu sorriso quando eu me sentava ao lado dele pra ouvir música. Do quintal de casa eu ouvia o rádio tocando e a minha memória e de ouvir os acordes musicais da canção, Cadeira de Rodas, e eu corria para dentro de casa, não importa o que estivesse fazendo. Eu me sentava na cadeira à direita da mesa, ou talvez estivesse de pé, não consigo me lembrar precisamente, mas nunca esqueci seu sorriso gentil comigo e nunca esqueci seus olhos. Fellini estava certo: rosto e olhos, trai a alma mais privada. Nos olhos dele, via amor, orgulho, como se ele próprio tivesse escrito as músicas e se via feliz por eu estar gostando.

     Meu avô ficava sentado naquela cadeira dia após dia até o dia em que ele não estava mais lá. Não lembro do velório dele, não lembro dele morrendo, não lembro da casa cheia de gente chorando e, no entanto, sei que tinha que ter acontecido. Meus avós tiveram 9 filhos e, quando você adiciona os netos, tinha que haver um dia em que todos viessem lamentar sua perda. Ele é minha conexão eterna com a Itália, com Dante, com você, Karla.

     Tenho muitas lembranças da minha avó, mas a perda do meu avô foi obviamente um evento importante, que eu apaguei completamente da minha memória. Talvez, aprender a bloquear as dolorosas lembranças de sua morte tenha me ajudado a lidar com o afastamento de você aos 11 anos de idade. O mesmo sentimento geral permeia os dois momentos; um dia você estava lá e no outro uma única cena que eu me recordo para conforto. A morte de meu avô e a ausência de minha mãe me ensinaram que existem coisas neste mundo que são absolutas, coisas que permanecem inalteradas, não importa o quanto você queira que seja diferente. A morte muda tudo permanentemente, mas a dor permanece em seu coração e alma como as pequenas pedras brilhantes de Madame Curie; o half-life de trauma é uma lenta deterioração em vida.

     Quando olho novamente para o número de mortes por coronavírus, sinto-me inútil; sim, há coisas que estou fazendo para ajudar, mas não é suficiente. Não parece suficiente. Eu sou, e sempre fui um ser humano que sofre a condição humana, reconhece seu lugar no mundo, por mais irrelevante, sou incapaz de levar as coisas adiante em hipocrisia, e cem por cento comprometido em ser sincero com quem eu sou e mudando o que eu não gosto em mim mesmo. Talvez seja uma das razões pelas quais eu nunca tirei uma selfie, tirar fotos de mim mesmo e de minhas coisas para mostrar aos outros é bobagem em qualquer dia da semana, mas agora, com os corpos empilhados ao redor do mundo é impensável. Olho para minha biblioteca, quase 3.000 livros e não tenho habilidades práticas que possam ser úteis no momento, e, no entanto, sei que a única maneira de acabar com isso é se as pessoas ficarem em casa. Toda pessoa que fica em casa é uma pessoa a menos que sua comunidade deve tratar. A Renee viu morrer mais de mil pessoas por dia num hospital em New York e lutou até a morte pra tentar salvar os outros; enquanto os presidentes brasileiro e americano se revelam inconsequentes diante a essa tragédia. 

     Durante essa crise, tudo o que tenho ao meu redor são mais perguntas; a morte tem o poder de concentrar a mente. Eu fiz uma viagem pela web em todo o mundo e percebi duas coisas: ou eu sou a única pessoa no mundo com medo de morrer ou as pessoas já estão vivendo em uma realidade virtual. Imagens de pessoas curtindo o dia, jogando vôlei, se divertindo e tirando selfies pra suas redes sociais estão por toda parte. Pessoas com amigos comprando cerveja e festas, imagens do presidente do Brasil limpando o nariz com a mão e apertando a mão das pessoas na multidão. Imagens do presidente americano em um hospital se recusando a usar máscaras. Penso nas muitas pessoas que sofrem, desaparecendo em um hospital para nunca mais voltar, morrendo sozinhas e sendo enterradas em sepulturas não marcadas, porque não há espaço nem tempo para um enterro adequado. Penso nas pessoas que deixam suas casas e cujo trabalho é enterrar outros seres humanos. Mil por dia. Penso na minha Renee que se foi. E me vem a dor de saber que nunca mais poderei ligar pra ela e andar pelas ruas de New York conversando. 



     Não estamos de férias no mundo inteiro. Esse momento importa. A vida perdida importa. Mais do que ficar em casa para reduzir a propagação da doença, é nossa responsabilidade de lamentar os mortos, e devemos fazer isso sendo humildes e introspectivos. Talvez seja por isso que eu desprezo tanto os políticos, mestres de frases bem ensaiadas que se encaixam em qualquer circunstância, citações sem sentido e sem apego à alma. Se você está passando o dia sem medo de morrer, tentando não se sentir muito mal, o que você diz para consumo público invalida todas as suas palavras de agradecimento à comunidade médica. A coragem da comunidade médica está diretamente relacionada ao seu medo de morrer e à compreensão do perigo que eles enfrentam; há uma verdade da qual eles têm certeza: quanto mais pacientes eles vêem, mais chances há de pegar o vírus e perder a vida por ele. Como aconteceu com a minha querida Renee que deixou uma filha órfã, por ter a coragem de sair e arriscar a vida pra salvar os outros.

     Há momentos em nossa existência que sentir-se horrorizado, triste e aterrorizado é um sinal de humanidade; não é uma fraqueza como muitos políticos querem que acreditemos. O governador do Texas, Greg Abbott, na semana passada, apelou pelo orgulho texano para enviá-los para tentar enviá-los de volta ao trabalho: “Os texanos são pessoas orgulhosas. Eles gostam de trabalhar ”, disse o governador. Excelência, eles precisam estar vivos para poder trabalhar. Estude cuidadosamente a segunda onda de contaminação na China, porque foi pra isso que os texanos votaram no senhor. Esta semana era hora de seu filho, o tenente-governador do Texas Dan Patrick, sugerir na televisão nacional que “muitos avós estão dispostos a arriscam suas vidas para salvar a economia. "Esse sentimento é ecoado por muitos políticos, mas, no entanto, eu daria todo o dinheiro que tenho para ver minha avó e meu avô novamente. Compaixão e empatia nos tornam humanos. Nasci no Brasil e não "nado em água do esgoto", como sugeriu o presidente do Brasil para o consumo mundial, e certamente não somos imunes a doenças. Mesmo Jesus Cristo, a quem essas pessoas professam seguir, lavou os pés das pessoas para mostrar amor, compaixão, amizade e empatia. Esses sentimentos nos definem humanos.

     Eu tenho medo de morrer; talvez por não acreditar em Deus eu entendo essa vida como um momento mágico e único.  Estou ciente de quão perigoso é esse vírus; tente assistir a tudo o que toca por uma hora e o perigo fica claro. Eu tenho dois filhos que ainda dependem de mim e ainda tenho coisas que quero fazer; a vida é um bem precioso que eu quero guardar. Eu me recuso a manter a aparência normal. Não há nada normal em milhares de pessoas morrendo por dia e, quando estamos por ai, postando fotos insignificantes em nossa demonstração social de hipocrisia, damos aos políticos um sinal de que estamos dispostos a deixar nossos pais morrerem para “salvar a economia. " Quando não demonstramos nossa tristeza pela perda de vidas, damos aos políticos a ideia de que podemos concordar com a possibilidade de que alguns em nossa sociedade possam ser "sacrificados".

     Nunca em minha vida pensei duas vezes nas pessoas cujo trabalho é enterrar outras pessoas, e agora são tudo em que não consigo parar de pensar. Um trabalho horrível. A coragem e dignidade que essas pessoas estão demonstrando é notável. Sair de casa dia a pós dia pra enterrar outros seres humanos; mil seres humanos por dia. Enquanto eles demonstram essa coragem, nossa comunidade médica e suas equipes arriscam suas vidas para salvar outras pessoas. Muitas dessas pessoas agora imploram ao governo por mais máscaras e equipamentos de proteção, e é difícil acreditar que estejam sendo ouvidas. Quando há políticos sugerindo que os avós são dispensáveis, tudo o que sai da boca em apoio à comunidade médica é apenas mais uma demonstração de demagogia e hipocrisia.

     Eu tenho tempo em minhas mãos e morte em minha mente.

     Também entendo que em nossas narrativas há momentos em que sentir remorso, tristeza e empatia é uma maneira em que nos relacionamos com outros seres humanos. É como mostramos a outras pessoas, em lugares distantes, que lamentamos sua perda e que compartilhamos sua tristeza. No final, é o amor que nos leva adiante: o amor por estar vivo, o amor por outro, por uma criança, por seus pais e avós, ou pelas lembranças inesquecíveis de uma garota que você amava quando tinha 9 anos de idade.

     Um pouco de humildade diante da fragilidade da vida e de nossa impotência diante da natureza também ajudaria. É por isso que oramos por nós mesmos e pelos outros. Se há um momento para uma oração, esse momento é agora. Até eu que não acredito em Deus sei disso.